O trabalho do jornalista pode classificar-se de trabalho
intelectual produtivo, porque o escritor que trabalha para o seu
director, como um assalariado na indústria, é um trabalhador
produtivo. Os produtos do jornalista, as suas crónicas, as suas
notícias, as suas reportagens, são comparáveis às secções
de uma fábrica: são produtos que a equipa financeira utilizará
como mercadoria. Observe-se que, nesta relação especial, um
jornalista é um trabalhador produtivo não porque produza
ideias, mas porque as suas ideias formalizadas são utilizadas em
benefício da equipa financeira.
A delicada natureza dos produtos do jornalista e a sua
importância vital no mercado, converte o domínio do seu
trabalho numa necessidade radical. Uma falha na produção, uma
quebra do mercado, não significariam apenas a perda da mina que
é a indústria informativa, mas igualmente afundaria todo o
sistema que se aguenta nessas alturas sobre uma consciência
colectiva regressiva fomentada pela informação, como meio
difusor fundamental dessa consciência. O domínio sobre o
jornalista exerce-se mediante um jogo alternativo de
integrações e repressões.
A regulamentação jurídica do comportamento do jornalista
faz-se a partir de uma regulamentação jurídica geral, reflexo
de uma situação económica e social de facto, na qual apenas se
supõem transformações acidentais; daí, que o Direito tenha
" de adequar-se às transformações dos tempos", mas
nunca rever-se totalmente como superestrutura condicionada por
uma infra-estrutura artificialmente mantida. Isto é, as novas
necessidades dos homens constituem o motor da história e tendem
para a mudança das bases da vida social: as relações de
produção. Esta mudança implicará uma transformação das
superestruturas políticas e culturais. Quando esta
transformação se apresenta como necessária e tem as suas
forças representadas, os sectores sociais interessados em que se
produzam, valem-se das superestruturas correspondentes para
combater qualquer desordem. Por isso, valendo-se do Direito, a
burguesia monopolista, que procura dominá-lo porque impõe
previamente as relações de produção que lhe interessavam,
pode forçar e ligar o jornalista aos seus interesses.
As nações onde a informação se encontra em pleno
desenvolvimento criaram escolas de jornalismo que servem para
proporcionar uma formação tecnológica ao futuro informador e
para formá-lo no cumprimento de uma moral profissional
coincidente com a moral estabelecida. Nessas escolas de
jornalismo, de categoria universitária nos países mais
desenvolvidos, proporciona-se uma série de conhecimentos vedados
a outros especialistas: por exemplo, uma mecânica da
actualidade, ou seja, as razões do mundo em que vivemos. As
escolas de jornalismo padecem das limitações que sofre a
cultura estabelecida em todos os ramos do ensino: uma cultura
destinada a defender pressupostos úteis aos sectores sociais que
detenham o poder.
A importância e eficácia destas escolas está demonstrada.
Fornecem grande quantidade de profissionais muito mais
conscientes das suas obrigações para com a ideologia, mais
preparados para a compreensão da sua tarefa como agente de
acção sócio-informativa, escultores da opinião pública. No
entanto, a situação do jornalista real, o papel que desempenha
na crise actual, não se descortina. Ao estudante de jornalismo
é envergada a armadura de cruzado da verdade e, apesar disso,
forçam-no a embarcar numa profissão em que começa por não
possuir as fontes da verdade - as fontes noticiosas -, nem
critérios perante a verdade adulterada, nem os meios de
difundi-la.
Geralmente, no trabalho informativo há mais oferta de
trabalho que procura. Nos países em que a informação é
"livre" o jornalista vive na contradição do
intelectual moderno. Converte-se no cordão umbilical da
burguesia e sofre das limitações que esta lhe impõe.
Objectivamente, os seus interesses não são os dos detentores
dos monopólios, mas obrigam-se a defendê-los; vende a sua pena,
que serve para corromper a opinião pública e transformá-la
numa matéria amorfa e moldável. No momento em que a
Informação é uma técnica belicista, ele é um técnico
belicista. Trata-se de um caso de má fé, ou de cândida falsa
consciência?
Objectivamente, a condição assalariada do jornalismo é
igual a do matricida. Mas uma série de condições subjectivas
dificultam esta tomada de consciência.
O tipo de trabalho que desempenha, caracterizado por uma
técnica de envilecimento que o envilece. Sabe que tem que ter em
conta autocensuras e censuras alheias de toda a espécie, e que
deve manter-se na linha do jornal da sociedade importante e de
interesse criados de vária espécie. Algumas vezes, a
consciência que ilude com um cinismo moral. O eu vivo é um
argumento muito comum na boca dos jornalistas que compreenderam o
papel de doméstica que lhes foi atribuído pela sociedade
moderna, e que se dão conta de que o papel de serviçal
resmungona os lançaria na rua.
A remuneração económica superior à dos trabalhadores
permite-lhes um nível de vida superior. Esta circunstância
contribui inclusivamente para desenvolver na sua mente um
instinto de trepador característico das zonas sociais não
delimitadas, que vivem à mercê de interesses fundamentais.
Os mitos sobre a sua importância como gestor da omnipotente
opinião pública, que o leva a não reflectir sobre o triste
papel de capataz que desempenha na fabricação de uma opinião
corrompida.
Quando o jornalista adquire consciência da contradição que
desempenha consegue descobrir a sua relação directa com a crise
do século XX e adquire a clareza de ideias necessária para a
compreensão da sua responsabilidade. Esta responsabilidade pode
formular-se assim: contribui para a formação de uns
consciência popular amorfa e, por isso, para preparar as
condições subjectivas de uma cumplicidade.
Opor-se a isso equivale a não exercer a profissão de
jornalista, pois o domínio da imprensa concentra-se nas mãos
dos grupos de pressão. O seu dilema moral é igual ao de um
operário das indústrias de armamento. O caminho de uma
possibilidade de acção, dentro da informação, é impossível;
pactuar equivale a ser um agente da morte, leva a exclamar com
Oppenheimer na sequência da explosão atómica de Hiroshima:
"Transformei-me em morte, faço tremer." O problema
não reside em adoptar soluções no quadro de uma crise latente,
mas sim integrar-se numa crise progressiva, compreendendo que a
sua gestão contribui para se afundar numa intensidade superior
à de qualquer outra gestão profissional.
O poder informativo é a triste história da virgem que acabou
no prostíbulo. O aríete da liberdade de informar foi utilizado
pela burguesia para penetrar na fortaleza do antigo regime e, uma
vez no poder, este tem sido utilizado ao longo dos últimos cem
anos para domesticar a informação e transformá-la numa
técnica de domínio da consciência colectiva. Para assegurar
esse domínio, a burguesia não hesitou em integrar a
informação dentro da normativa do sistema capitalista. Toda a
gente é livre de informar, mas fundar um jornal de grandeza
média obriga ao dispêndio de dezenas e dezenas de milhares de
contos. Deduza, pois, o leitor por si próprio.
No século XIX, desenvolvia-se o jornalismo multiplicando
empresas iniciadas, geralmente, em torno de um profissional
destacado, que se estabelecia por sua conta, como os operários
ambiciosos. Era nos tempos anteriores à complexidade
infra-estrutural, quando a composição se fazia manualmente e se
imprimia em máquinas planas, quando não existiam rotativismo
nem máquinas de dobrar papel, quando nem sequer o papel
constituía um problema vital.
Hoje, informar é uma complicada indústria nas mãos de
complexos interesses na defensiva: económicos, políticos,
sociais, com o nexo comum da sua identificação com o sistema. A
empresa privada informativa defende-se da história, da
realidade, dos próprios profissionais que utiliza; submete-os ao
jogo alternamente da integração e repressão, mantém-nos
alienados, impede-lhes o domínio dos meios de produção. E o
resultado não é outro senão o envilecimento progressivo da
informação, cada dia mais transformada em todo o mundo numa
técnica de persuasão, como a publicidade ou a propaganda
política.
O profissional da informação, como profissional da cultura
que é, vê-se submetido em todo o mundo a um jogo policial de
alternância bom e mau, no qual é forçado a passar da
manipulação integradora à drástica repressão. O sistema
garante-lhe um nível de vida aceitável - ligeiramente acima do
da intensa maioria - e submete-o a uma série de estruturas
condicionantes integradoras: um status empresarial que converte o
empresário ou empresários dos jornais em verdadeiros donos e
senhores da mercadoria informativa e das normas jurídicas
destinadas, não tanto a defender a sociedade do jornalista, como
a defender o sistema. No caso de o profissional da informação
descobrir que os moinhos de vento são gigantes realmente de
lança em riste, então cai sobre ele todo um mecanismo
repressivo em que actuam, o Estado, a empresa e todas a
superestruturas cúmplices.
Em sistemas democrático-formais, o profissional não encontra
outro recurso que não seja o da imprensa de partido, mas só a
troco de delimitar o seu público potencial. Para uma democracia
formal a imprensa de parido é um alívio, pois a relação
instrumento-público correspondente a uma afinidade
pré-estabelecida e não afecta o público que fica à margem
dessa afinidade. Para o sistema, o verdadeiro perigo residiria no
facto de os meios informativos mais potentes e uniformizadores -
os diários de ampla circulação, a rádio, a televisão -
caírem em mãos de profissionais dispostos a não servirem
outros que não fossem os seus leitores. Mas a verdade é que o
sistema se orientou para o domínio efectivo dos mass média
uniformizantes: primeiro, porque controla o Estado e todo o seu
dispositivo superestrutural que opera sobre a Informação;
depois, porque divide a amálgama em empresas privadas em
condições de fazer um jornalismo popular oposto ao aborrecido e
caduco jornalismo ideológico dos partidos. Os meios mais
perigosos, pela sua capacidade de atracção indeferenciada, como
a rádio e a televisão, ou estão bem enquadrados pela
vigilância do Estado ou se encontram severamente limitadas pela
empresa privada.
Perante esta situação, como se mantém de pé toda a
literatura sobre a responsabilidade do informador? Aonde a
censura não chega, começa a autocensura, devido a toda a série
de condicionalismos a que está sujeito.
Há um associativismo profissional que, em todo o mundo, vai
desde o nível repressivo - associações destinadas mais ao
domínio que à reivindicação - até ao nível integrador -
associações destinadas a reivindicações puramente
económicas. Mas salvo em situações de democracia formal muito
avançada, e ao mesmo tempo minada por contradições internas
muito agudas, o associativismo dos profissionais da informação
é um mecanismo complementar da técnica repressiva ou da
técnica integradora.
O resultado mais claro desta ordem de coisas é a situação
indefesa do público perante a conspiração informativa e a
dependência, cada vez maior, a que o sujeitam os mass média. A
partir dos quinze anos, a escolaridade terminou para uma grande
maioria. A partir dessa idade, os seus principais veículos de
formação e informação serão os mass media. Por outro lado, a
falta de uma formação cultural e contínua rouba elementos de
apreciação crítica e compreensão da realidade, o que provoca
uma entrega total ao império dos meios de comunicação de
massas. resulta, então, que um magnata, sem outros títulos que
não sejam a sua "habilidade" para absorver sociedades
anónimas e as suas origens de industrial do que quer que seja,
se transforme, da noite para o dia, em ditador da imprensa.
Milhões e milhões de leitores assistem então ao espectáculo
de um grande capitalista a manter sob o seu domínio quer a
imprensa "socialista" e a imprensa conservadora, a
imprensa de opinião e a imprensa sensionalista.
O Estado é um mau árbitro entre o público e o capital,
porque em geral o seu hábito é o de corresponder, na sua
própria conformação e encarnação, aos interesses do grande
capital. Mau árbitro será inevitavelmente todo aquele que saia
para o campo com a intenção de que ganhe sempre a mesma equipa,
e o que o máximo que se digne ceder seja o empate quotidiano. Em
certas ocasiões verifica-se uma animosidade por parte do Estado
contra a formação de monopólios informativos. Mas essa
animosidade não obedece a um excessivo zelo defensivo do
público, mas ao medo de que o quarto poder, dominado
maioritáriamente por um empresário ou por um grupo de pressão,
se converta numa fábrica de figuras governamentais ou de
situações politicas de alternativa, ainda que identificadas
ideológicamente com o sistema dominante.
Há vários casos europeus que reúnem factores interessantes
para a politização que todo o mundo prevê para um futuro
imediato. A prova desse futuro político é a tomada de posição
que determinados grupos de pressão estão a realizar com
respeito aos meios informativos. Possuir um meio informativo, se
bem que não seja nem provavelmente virá a ser um bom negócio,
é no entanto um magnífico investimento político-económico.
Daí, que haja industriais que se introduzem em todos os orgãos
informativos que o aceitem, e, também as vinculações
empresariais tão extensas e subtis que possuem os conselhos de
administração de grande parte da imprensa, através dos seus
pluriempregados administradores.
A grande questão que permanece de tudo isto é a seguinte:
Que poder tem hoje um profissional da informação, a fim de
fazer minimamente frente às possíveis arbitrariedades dos
verdadeiros poderes informativos ? Esta questão começará a ser
respondida quando estas perguntas se transformarem em exigências
práticas, num futuro que se deseja imediato.
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